Vida no reino vegetal
Bibliografia
A MULHER E A FILOSOFIA ESPÍRITA

Influência das crenças filosóficas sobre a situação da mulher na Antiguidade, na Idade Média e em nossos dias

(1 vol. in-12. Preço: 2 fr. 50. Livraria Espírita, 7, rue de Lille)

Esta obra, que será posta à venda na Livraria Espírita no próximo dia 10 de dezembro, vem confirmar novamente as previsões dos Espíritos no que concerne ao progresso de nossa filosofia e à aplicação prática de seus princípios. Com efeito, ainda há pouco tempo eles nos anunciavam que se preparavam várias obras sérias sobre a filosofia do Espiritismo, nas quais o nome da Doutrina seria altivamente confessado e proclamado.

Tratando especialmente a interessantíssima questão do futuro da mulher, o livro do Sr. H. V. é caracterizado por uma demonstração rigorosa de todos os princípios da Doutrina, nos quais os próprios adeptos encontrão novos pontos de vista. Nesse arrazoado em favor da mulher, reconhece-se ao mesmo tempo a argumentação atraente e rigorosa do pensador erudito que quer reduzir a réplica aos seus últimos limites. Certamente o autor estudou a questão com seriedade e a perscrutou em seus mais minuciosos detalhes. Não se limita a emitir a sua opinião; ele a motiva e dá a razão de ser de cada coisa.

A obra do Sr. H. V. marcará nos anais do Espiritismo não só como a primeira do seu gênero, mas, sobretudo, por sua importância filosófica.

Lamentamos que a abundância de matérias não nos permita reproduzir tantas passagens quanto desejaríamos. Limitarnos- emos às seguintes citações, suficientes para termos uma idéia da obra e apreciarmos o seu valor:

“Sy Tayeb – Meu amigo, prometeste escutar tudo o que me proponho dizer-te sobre a questão das mulheres. Há muito tempo não cesso de repetir que os nossos correligionários se comportam, em relação às suas companheiras, como verdadeiros carrascos, razão por que consagro todas as minhas faculdades em solicitar uma reforma.

“Sy Ahmed – Sim, eu o sei; mas tuas opiniões me assustam. Esqueces muito o nosso livro sagrado, o Alcorão. Como podes faltar assim ao respeito que deves às palavras do nosso profeta, inspiradas por Deus?

“Sy Tayeb – Eu te disse, a respeito, que é preciso levar em conta circunstâncias de tempos e lugares. Na época em que vivia, o nosso profeta Maomé vivia em meio a populaças nas quais as mulheres eram tidas em grande desprezo, haja vista o que se lê no Alcorão; mas esses ensinamentos, longe de autorizar novas usurpações sobre as liberdades da mulher, restringem os abusos que havia e procuram dar algumas garantias ao sexo oprimido; contudo, não estamos mais no começo da era muçulmana.

“Sy Ahmed – Não sei o que se passa entre os outros povos, mas observa um pouco as mulheres dos nossos árabes da planície e mesmo as dos muçulmanos da cidade e diz-me o que aconteceria se amanhã elas fossem livres como as francesas?

“Sy Tayeb – Certamente haveria excentricidades, mas, talvez, nem tanto quanto possas crer; e, depois, elas logo cessariam se os maridos se comportassem à altura de sua missão, fazendo-se os educadores de suas mulheres e de seus filhos.

“Não sabes que certo número de jovens muçulmanas, e que por certo não saíram de nossas melhores famílias, uniram-se a cristãos, alguns dos quais ocupam posições elevadas? Tais mulheres não adotaram os costumes franceses, a ponto de serem tomadas, pelos que não as conhecem, por filhas da França? O que algumas fizeram, todas podem fazer.

“Aliás, eu te peço, segue com atenção o que vou expor-te.

“Os seres humanos compõem-se de uma alma ou Espírito e de um corpo.

“O Espírito é imortal; também é imaterial, pelo menos para os nossos sentidos. O corpo é material e perecível, ou, melhor, se desagrega em certo momento e suas moléculas vão combinar-se com outros elementos materiais.

“Os Espíritos não têm sexo. Encarnam indistintamente em corpos de homem ou de mulher, como o fazem em corpos de qualquer raça. É o que resulta do ensino dos próprios Espíritos, que podem ser consultados a todo instante. Aliás, a observação e a reflexão nos levam facilmente a reconhecê-lo.

“Como se manifestam as qualidades da alma? pelas faculdades morais e intelectuais. Ora, em todos os tempos, em todos os lugares não se tem constatado que as mulheres podem ter tanto valor moral quanto os homens de seu meio social e, no que respeita à inteligência, algumas dentre elas não poderiam ser comparadas aos homens mais bem favorecidos? Neste último caso, que importa o número, se varia conforme as circunstâncias sociais da educação ou o gênero de vida imposto às mulheres? Basta que algumas delas tenham mostrado um poder de intelecto igual ao encontrado nos homens para que se possa concluir que não há Espíritos de homens e Espíritos de mulheres, estes últimos forçosamente inferiores aos primeiros...

“...A filosofia egípcia também dava à mulher um lugar honroso ao lado de seu companheiro de existência. Podemos julgálo pela população que ela importou em seu território, que a tornou a Hélade, a Grécia. Aí, desde os tempos ditos heróicos, vemos as mulheres decidindo a paz ou a guerra e inspirando empresas longínquas; numa palavra, exercendo a mais completa autoridade. Além disso, o poder de sedução de algumas delas é tal que são tratadas de mágicas. O rapto de uma princesa é suficiente para determinar uma ação militar geral e provocar o acontecimento mais importante de toda a primeira parte da história grega. Por outro lado, a religião desse povo, o conjunto de seus mitos, muitas vezes tão cheio de encanto, fazem-nos compreender bem depressa o que era a mulher entre os gregos; porque se sabe que estes não procuraram, em suas criações religiosas, senão poetizar e mesmo divinizar o que se passava no seio de sua própria sociedade.

“O Olimpo, a morada dos deuses, apresenta tantas deusas quanto divindades masculinas, e essas deusas exercem papéis tão importantes quanto o dos deuses seus próximos. Se Júpiter Trovão faz tremer o Universo com um franzir de cenho, sua esposa, a orgulhosa Juno, também sabia comandar, e quando avança majestosamente em meio à assembléia dos deuses, todos reconhecem nela sua verdadeira soberana. Se Vênus, desatando sua correia, inclina-se diante do chefe supremo e o implora, não consegue o que quer com o aplauso de todos? A sabedoria, fato muito significativo, não é personificada numa deusa, Minerva? E esta filha de Júpiter não é considerada no Olimpo exatamente como o são entre nós os pensadores que fazem progredir a Humanidade?

“Enfim, as divindades que representavam as ciências e as artes eram as nove Musas, jovens virgens, filhas de Júpiter.

“Em todos os mitos, em todas as cenas da vida fictícia dos seres divinos, criados pela imaginação grega, vemos a mulher intervir e, em muitas circunstâncias, afirmar sua intervenção, se não mais, ao menos tão energicamente quanto o deus, o semideus ou o herói. É fácil constatar, por essas fábulas encantadoras, que tinham por objetivo personificar as forças da Natureza em seres extrahumanos, a parte que cabe à mulher é, muitas vezes, mais importante que a atribuída ao homem. As fontes, os vegetais, os diversos elementos que constituem o nosso globo são confiados à direção de criaturas extraterrestres, entre as quais se reconhece mais freqüentemente as do sexo feminino...

“De acordo com o que acabamos de dizer, censura-se nas comunicações espíritas o fato de serem, em geral, insignificantes, monótonas, banais. Diremos os motivos dessa objeção, verificando, primeiro, se as relações com o mundo invisível não satisfazem a um grande número de pessoas.

“As comunicações com os seres pelos quais tínhamos grande simpatia e que deixaram a Terra são sempre muito interessantes para os que as recebem, conquanto sem interesse para o público; são como essas cartas íntimas, que só encantam as pessoas a quem se dirigem. Essas comunicações espíritas, cuja origem quase sempre é afirmada por certas confidências, são uma fonte inesgotável de consolações; certificam a perpetuidade da alma individual e consciente, fazendo da morte uma simples ausência. Não tivessem as relações com os Espíritos levado senão a esse resultado, o benefício já seria tão grande que aí devemos ver um novo testemunho da bondade de Deus e agradecer a ele por isto.

“Também se pretende que os Espíritos muitas vezes falam de seus trabalhos, mas são incapazes de indicar de modo sumário em que consistem! Entretanto, se admitirmos que eles concorrem para a formação dos corpos celestes e que são encarregados de cumprir as leis de Deus em relação a tudo quanto respeita aos elementos primitivos materiais ou fluídicos que nos cercam; que intervêm nos atos da nossa vida diária; que vivem, estudam, progridem por todos os meios que conhecemos e pelos que nos são desconhecidos, podemos afirmar com certeza que os trabalhos dos desencarnados são no mínimo tão numerosos quanto o dos homens mais laboriosos.

“Mas os Espíritos não explicam os processos empregados. Pretendem invariavelmente que não os compreenderíamos.

“É fácil nos darmos conta desse fato mediante a seguinte comparação, à qual poderíamos ter recorrido com proveito toda vez que nos queixássemos de não ter, por parte do mundo invisível, explicações suficientes:

“Imaginemos que temos um meio qualquer de correspondência com os selvagens mais atrasados da Oceania e que queiramos responder às suas perguntas. Esses selvagens não conhecem outra ocupação além da caça, da pesca e da antropofagia! Que diríamos a eles se nos perguntassem como passamos o nosso tempo? Como lhes faríamos compreender que, entre nós, uns fazem comércio, indústria, e outros se ocupam de administração, de artes, de ciências, de estudos literários e filosóficos, etc.? Que termos poderíamos empregar que estivessem ao alcance dos habitantes da Oceania? Haveria completa impossibilidade; seríamos reduzidos a lhes comunicar de maneira geral que temos muito a fazer, sem lhos poder explicar. Mais tarde, porém eles farão como nós, quando tiverem modificado seu estado de sociedade. Os selvagens não estariam muito satisfeitos com as nossas explicações; mas seria legítimo pô-las em dúvida? Dá-se o mesmo entre nós e os Espíritos!...

H. V.

CONTEMPLAÇÕES CIENTÍFICAS

(Por C. Flammarion – 1 vol. in-12. Preço: 3 fr. 50.)

Sob esse título, a Livraria Hachette publicará uma nova obra do jovem e eminente autor da Pluralidade dos Mundos Habitados, das Maravilhas Celestes, etc. etc.

As Contemplações Científicas, como indica o seu título, aliam à rigorosa argumentação do sábio, a profundeza de concepção e elevação do pensamento do filósofo espiritualista. Perlustrando essas páginas eloqüentes e poéticas os espíritas encontrarão muito material para colher.

Depois de ter afirmado e demonstrado a pluralidade e a solidariedades dos mundos habitados, o Sr. C. Flammarion, na primeira parte de sua nova obra, dá-nos a conhecer os nossos inferiores na Terra, desde o infinitamente pequeno, visível apenas ao microscópio, desde a planta rudimentar e o inseto, até os animais superiores que precedem imediatamente o homem na escala da Criação. A segunda parte do livro é consagrada à aplicação industrial das descobertas científicas modernas. Premidos pelo espaço, não o acompanharemos nesta ordem de idéias; mas não podemos resistir ao desejo de dar a conhecer a sua opinião sobre a questão, na ordem do dia, do progresso infinito de tudo o que existe e do futuro da animalidade.

O Sr. Flammarion teve a gentileza de nos entregar algumas provas desta nova e interessante publicação e estamos certos de que os nossos leitores ficarão satisfeitos em lhes assinalar as seguintes passagens:

O MUNDO DAS PLANTAS

“A vida não é representada na Terra apenas pelos seres animados que marcham na superfície do globo, voam nos ares ou nadam nas profundezas do oceano. Compondo um mesmo conjunto, os animais formam os degraus da pirâmide sobre a qual se assenta o homem, esse compêndio superior da série zoológica; estão ligados entre si pelos mesmos caracteres: o movimento, a respiração, a alimentação, os atos da vida animal, o instinto e mesmo o pensamento para um grande número deles. Estão ligados ao homem pelas leis gerais da organização e sentimos que pertencem ao mesmo sistema de existência ao qual pertencemos. Mas há na Terra uma outra vida, bem diferente da precedente, embora seja a sua base primitiva e o elemento fundamental, uma outra vida distinta da nossa, que se perpetua paralelamente à vida animal e parece confinar-se numa espécie de isolamento em meio ao resto do mundo. É a vida das plantas, desses seres misteriosos que nos precederam na Criação e que, por muito tempo, reinaram soberanamente nos continentes sobre os quais estabelecemos mais tarde o nosso império; verdadeiras raízes de nossa própria existência, pelas quais sugamos a seiva nutritiva da terra; fontes de vida incessantemente renovadas que se irradiam na Natureza; criações que constituem um reino intermediário entre o mineral e o animal, e cujo valor e real beleza não sabemos apreciar...

“...É que existe nessa lei que preside à vida, à morte, à ressurreição das plantas um caráter de grandeza, de previdência e de afeição, que o pensamento humano pressente sem poder captálo; é que há nesses seres misteriosos que se chamam plantas um gênero de vida latente e oculto que espanta e enche de estranha surpresa o espírito observador...

“As plantas, os animais, diz um poeta alemão, são os sonhos da Natureza, dos quais o homem é o despertar. Esse pensamento profundo repercutirá em nossa alma se consentirmos em descer um instante da vida humana, e mesmo da vida animal, para observar a vida vegetal...

“...E não creiais que ela sofra cegamente, como um objeto inerte, as condições de existência que lhe são impostas. Não: ela escolhe, recusa, procura, trabalha...

“...Escutai, por exemplo, esta história:

“Sobre as ruínas de New-Abbey, no condado de Galloway, crescia um arbusto em meio a um velho muro. Ali, longe do solo acima do qual se elevava de alguns pés o bloco de pedras, nosso pobre arbusto morria de fome, fome de Tântalo, já que ao pé do próprio muro árido se estendia a boa e nutritiva terra.

“Que dizer dos surdos tremores do ser vegetal que luta contra a morte, suas torturas silenciosas e seus mudos langores galvanizados pela cobiça? Quem saberá contar aqui em particular o que se passa no organismo do nosso pobre mártir? Que atrações se estabelecerão, que faculdades se aguçarão, que imperiosas leis se revelarão, que virtudes enfim foram criadas?... O nosso arbusto existe sempre, enérgico e aventureiro se o foi, querendo viver a todo custo e, não podendo atrair a terra, marcha, imóvel, acorrentado, para esta terra longínqua, objeto de seus ardentes desejos.

“Marcha? não; mas se estira, se alonga, estende um braço desesperado. Emite uma raiz improvisada pela circunstância, que é impelida para o ar livre e, reconhecida, se dirige para o solo até atingi-lo... Com que entusiasmo aí se enterra! Doravante a árvore estava salva. Nutrida por esta raiz nova, deslocou-se de um lugar para outro, deixando que morresse as que mergulhavam inutilmente nos escombros; depois, endireitando-se pouco a pouco, deixou as pedras do velho muro e viveu sobre o órgão libertador, que logo se transformou num tronco verdadeiro.

“Que pensais dessa persistência? Não achais que esse instinto se parece muito com o do animal e, ousamos confessar, mesmo com a vontade humana?...

“Sob essas manifestações de uma vida desconhecida, o filósofo pode abster-se de reconhecer no mundo das plantas um canto do coro universal. É um mundo de uma realidade viva, mais comovente do que se pensa, esse reino vegetal, harmônico, doce e sonhador que, nos degraus inferiores à animalidade, parece sonhar enquanto aguarda a perfeição entrevista. Sem dúvida não se deve cair no excesso de uma escola da antiguidade que, sob autoridade de Empédocles, não hesitando em conceder às plantas faculdades de escol, as havia humanizado e mesmo divinizado. Não; as plantas não são animais, nem homens: uma distância imensa as separa de nós; mas vivem uma existência que não sabemos apreciar e ficaríamos bem admirados se nos fosse permitido entrar um instante nos segredos do mundo vegetal e escutar o que podem dizer em sua língua as pequenas flores e as grandes árvores.”

INTELIGÊNCIA DOS ANIMAIS

“Graus inferiores da série zoológica, dos quais acabamos de ter um aspecto particular em nosso precedente estudo sobre a vida dos insetos, elevam-nos mais e nos põem agora em relação com as manifestações mais altas da vida terrestre.

“A Natureza inteira é construída sobre o mesmo plano e manifesta a expressão permanente da mesma idéia. A grande lei de unidade e de continuidade se revela não só na forma plástica dos seres, mas ainda na força que os anima, desde o humilde vegetal até o homem mais eminente. Na planta, uma força orgânica agrupa as células conforme o modo de cada espécie, aproximando-se para o tipo ideal do reino. O cedro das montanhas do Líbano, o salgueiro da margem dos rios, as árvores das florestas cerradas e as flores de nossos jardins sonham, adormecidas nos limbos indecisos da vida. Num certo número delas, constata-se movimentos espontâneos e expressões que parecem revelar o aparecimento de algum rudimento de sistema nervoso. Os degraus inferiores do reino animal, que habitam as móveis regiões do oceano – os zoófitos – parecem pertencer, sob certos aspectos, ao mundo das plantas. À medida que se eleva na escala da vida, o espírito afirma pouco a pouco uma personalidade mais bem determinada; atinge seu mais elevado desenvolvimento no homem, último elo da imensa corrente sobre a Terra.

“Esta contemplação da vida na Natureza abarca, sob uma mesma concepção, o conjunto dos seres e nos põe em relação com a unidade viva manifestada sob as formas terrestres e siderais. Inspirada e afirmada pelas fecundas descobertas da ciência contemporânea, ela ultrapassa majestosamente as idéias de uma outra idade, que retalhavam a Criação e não deixavam subsistir senão o homem no trono da inteligência. Hoje sabemos que o homem não está isolado no Universo, nem na Terra; está ligado aos outros mundos pelos liames da vida universal e eterna, e à população terrena, pelos laços da organização comum dos habitantes do nosso planeta. Não há mais um abismo intransponível entre o homem e Júpiter, nem entre o homem branco e o homem negro, nem entre o homem e o macaco, o cão ou a planta. Todos os seres são filhos da mesma lei e todos tendem para o mesmo objetivo, a perfeição.

“A reação teológica do século dezessete havia separado rigorosamente o homem de seus irmãos mais velhos na obra inexplicada da Criação. Descartes representou os animais como simples máquinas vivas. Grandes discussões se levantaram sobre a questão da alma dos animais, e de tempos em tempos encontramos as variadas peças deste imenso arrazoado. Dos numerosos tratados sobre esse assunto, escritos naquela época, citaremos sobretudo o do padre Daniel, discípulo de Descartes, que completa sua viagem à Lua, e o do padre Boujeaut, que toma o partido dos animais... e mesmo encontrando tanto espírito que acaba por nelas ver a encarnação dos mais astutos diabos...

“Os animais são dotados da faculdade de pensar; neles reside uma alma, diferente da nossa (e talvez tão diferente que nenhuma comparação possa ser estabelecida). A faculdade de pensar se revela em graus diversos conforme as espécies, e aí está a grande dificuldade do assunto! Porque, concedendo uma alma ao cão, aos poucos somos levados a concedê-la à ostra; e se a ostra é animada por uma mônada espiritual, mesmo adotando a classificação de Leibnitz, não vemos por que a sensitiva e a rosa dela fossem privadas. Eis, assim, uma série de almas imortais em números incalculáveis, com as quais nos embaraçaríamos muito se fôssemos obrigados a dirigir as suas metempsicoses. Felizmente, o misterioso autor da Natureza, ao nos deixar a faculdade de sonhar e de conjecturar, tirou-nos desta dificuldade.

“Este estudo não teria fim se não apresentássemos aqui todos os materiais que temos à mão em favor da alma dos animais superiores. Não podemos senão relegar esses fatos tão numerosos às notas complementares por nós reportadas. Pela amizade e pelo ódio, pelo apego que as diferentes espécies animais estabelecem entre si, somos autorizados a admitir nos animais, faculdades intelectuais análogas às nossas. Esta questão comporta um dos mais curiosos e mais graves problemas da filosofia natural.

“Concluindo, declaramos que Buffon se enganou por não ter ousado dizer, depois de expor as ações racionais do pungo: “e, contudo, o pungo não pensa”, e que o grande Leibnitz se equivocava quando afirmava “que o mais estúpido dos homens é incomparavelmente mais racional e mais dócil que o mais espirituoso dos animais.” O certo é que há no mundo homens grosseiros, brutos, mais maus e menos inteligentes do que certos animais de boa natureza.”

C. Flammarion
R.E. , dezembro de 1869, p. 519